O Grand Tour é uma viagem longa e morosa, um fenômeno social, entre a alta burguesia do século XVII e XIX, comum em Inglaterra. Viagens que estavam somente ao alcance das elites, tratando-se sobretudo de viagens de lazer. É a partir sobretudo do século XVIII, precedente da evolução sociocultural e da Revolução Industrial, que o Grand Tourist se dá a conhecer, emergente sobretudo dos países do Norte da Europa pelas sucessivas viagens de jovens ricos, amante da cultura dos antigos e de seus monumentos, com um gosto exacerbado por ruínas que beirava a obsessão e uma inclinação inusitada para contemplar paisagens com seu olhar armado no enquadramento de amplas vistas panorâmicas, compostas segundo um idioma permeado por valores estéticos sublimes (Salgueiro, 2002, p. 291).
A rota do Grand Tour envolvia essencialmente, além de uma viagem a Paris, um circuito pelas principais cidades italianas — Roma, Veneza, Florença e Nápoles, nessa ordem de importância, mas nem todos elegiam este circuito existia quem optasse por uma viagem mais curta, optando por viajar até Paris e Países Baixos (Salgueiro, 2002, p. 292), arriscaremos dizer que se tornou uma condicionante da alta sociedade, das elites, simbolizando riqueza e liberdade, salientando aqui a “riqueza” do conhecimento, aspeto evidenciado pelo enriquecimento cultural concedido pela viagem, contactos e obras de arte daqueles que as adquiriam e traziam para casa, proporcionando-lhes prestígio e posição social, – nas palavras do Professor Doutor Rui Morais[wfn]Comissário da exposição João Allen – colecionar o mundo[/wfn], como um ritual de passagem, fundamental. Estas viagem trivializam-se mais no XIX, com o surgimento das viagens por comboio e barco, conferindo uma maior segurança e comunidade, originando a criação de diversos circuitos de viagens, alguns deles mais curtos e por ventura mais acessíveis monetariamente, assim como em termos logísticos.
A natureza e demora das viagens realizadas em carruagens, a escassez e
precariedade de locais para descanso nas necessárias paragens, originava a necessidade de transportar os mais diversos objetos, sendo criados para tal, uma variedade de estojos para conter, proteger e transportar os objetos. Estojos fabricados em couro eram particularmente utilizados para melhor acondicionamento dos objetos transportados, adquirindo frequentemente a forma dos conteúdos.
Uma placa de latão personaliza a escrivaninha de viagem de João Allen, através do monograma “JA” gravado e encimado por coronel de nobreza e timbre da família Allen. O interior inclui compartimentos para os diversos utensílios que eram utilizados na escrita: o tinteiro, o areeiro, para secar a tinta e o compartimento para as penas que, aparadas, eram mergulhadas em tinta. As pequenas gavetas poderiam ainda conter o sinete.
(Vasconcelos, Morais, Reis, & Markl, 2018, pp. 309, 310)
Passaporte, frente e verso, catálogo da exposição, fig. 36 e 37
João Allen, terá optado pelo verdadeiro Grand Tour, que seria uma viagem a Paris seguido de um circuito pelas principais cidades italianas, alargando as suas expectativas no encontro de artistas, peças de arte e objetos que para si seriam importantes e dignos de os agregar à sua coleção .
O filósofo John Locke (1632-1704) afirmou que …o conhecimento vem inteiramente da perceção do exterior, que o que sabemos vem dos estímulos físicos a que estivemos submetidos. … Viajar é necessário para o desenvolvimento do espírito e alargar o conhecimento do mundo. (Ambientais, n.d., p. 2)
Em 1826, João Allen inicia o seu Grand Tour, já tardio devido à guerra, encontrando-se acompanhado por sua mulher, Leonor Carolina e irmã, Ermelinda, futura viscondessa da Regaleira. Os passos de Allen estão bem definidos pelo seu passaporte, peça central da exposição, João Allen – Colecionar o Mundo, emitido a 26 de setembro de 1826, em Paris.
João Allen terá preparado muito bem esta viagem, através de roteiros[wfn]Estes roteiros adotavam múltiplas formas narrativas tais como contos, diários, correspondência, guias, entre outros (Vasconcelos et al., 2018, p. 63)[/wfn], tendo em consideração os meios de transporte, acomodações, festividades, locais e pessoas a visitar.
Embora no século XIX já existisse via férrea, grande parte do percurso era terrestre, existindo um cuidado na preparação do circuito afim de evitar estradas acidentadas, acomodando-se o grand tourist em, carruagens apropriadas a longos trajetos, puxadas por cavalos, havendo pequenas diferenças de tipologia de transporte entre os países. Nestas carruagens seguia, para além dos viajantes e dos cocheiros, toda uma parafernália de bens encerrados dentro de baús que frequentemente eram forrados a pele. Estes baús, com os cantos protegidos, tinham a particularidade de estarem divididos em vários compartimentos, separados por dobradiças e correias. Era também comum o uso de pequenos cofres para guardar os documentos (passaportes, autorizações aduaneiras, cartas de recomendação, etc.) e dinheiro.
Tal como existiram em Portugal, as hospedarias da mala-posta francesa permitiam o descanso dos viajantes e a troca dos animais das diligências. Por vezes, em percursos mais acidentados e impossíveis para carruagens, nomeadamente na travessia dos Alpes, os viajantes montavam em mulas ou seguiam em cadeirinhas (carregadas por homens).
(Vasconcelos et al., 2018, p. 64)
Em Itália era comum o grand tourist viajar por sediola, uma caleche de quatro rodas e dois assentos, puxada por cavalos, já em Veneza o transporte seria realizado em gôndolas, e a passagem de Nápoles para a Sícilia, em paquete. A extensão de estrada percorrida não seria mais do que trinta quilómetros, por dia, por vezes menos, consoante a condição da estrada e os albergues de paragem. Conforme Smollet, as estradas, além de precárias, eram infestadas de ladrões e contrabandistas. Mas, segundo o autor, o lugar dos chantagistas era, sobretudo, Roma, onde havia inclusive muitos charlatões ingleses sempre prontos a iludir viajantes entusiasmados com a venda de coisas sem valor, como obras de pintura de artistas célebres — falsificadas! (Salgueiro, 2002, p. 297), com certeza que na época de João Allen as estradas já seriam mais seguras, mas existiria sempre o risco de assalto.
Pelas notas de seu primo D. José de Urcullo, no Tratado Elementar de Geografia, TOMO I[wfn]D. José de Urcullu, primo e amigo de João Allen, escreveu 3 volumes do Tratado Elementar de Geografia, dedicando-os a João Allen.[/wfn], sabemos que Allen, visitou e subiu o monte Vesúvio, de onde terá trazido uma coleção de lavas, visitou as ruínas de Pompeia, as escavações de Herculano, trazendo consigo curiosidades e outros objetos, desconhecidos ao povo português. Em Roma interagiu com a sociedade e contratou artistas locais, afim de adquirir peças para o seu museu, referindo Urcullu ainda a passagem por Nápoles, Florencia, Milão, Veneza, Paris, Londres e outras cidades[wfn]Viagem devidamente retratada no catálogo da exposição João Allen – colecionar o mundo, a partir da pág. N.º 97.[/wfn].
A família Allen terá ficado alguns meses em Roma em intimidade com o nosso abalisado pintor Sequeira[wfn]Domingos António de Sequeira (Lisboa, 10 de Março de 1768 – Roma, 8 de Março de 1837) foi um pintor português. – fonte wikipedia[/wfn], adquirindo por bom preço vários dos melhores quadros que ornam a galeria municipal. (Leal, 1875, p. 253)
Pela mão de Domingos Sequeira[wfn]Domingos António de Sequeira (Lisboa, 10 de Março de 1768 – Roma, 8 de Março de 1837) foi um pintor português. – fonte wikipedia[/wfn], Allen, concretiza boas aquisições, aumentando a sua coleção para perto de 1100 quadros, entre as quais se encontram bellissimas obras de Julio Romano, Fatore, Morales chamado o divino, Van Dick, Carlos Marata, Cignani, Salvator Rosa, Batoni, Rembrandt, Corregio, Cadés, Bombelli, Vieira Portuense, Sequeira, e de outros muitos insignes auctores portuguezes e estrangeiros; e de uma riquissima e variada collecção de estampas.
João Allen, teve o privilégio de entrar numa sociedade rica e repleta de artistas, com um intelecto cultural que para a época não existiria noutro lugar no Mundo, relacionou-se diretamente com grandes artistas, efetuando encomendas, que poderemos dizer que transpunham o objetivo do colecionismo[wfn]O colecionismo é a prática que as pessoas têm de guardar, organizar, selecionar, trocar e expor diversos itens por categoria, em função de seus interesses pessoais. (fonte wikipédia)[/wfn], considerando que as peças adquiridas tinham como objetivo o adorno do seu museu, pena de não existirem registos destas conversas.
Segundo José-Augusto França, João Allen terá sido o colecionador mais importante do século XIX em Portugal, contribuindo para efeito as suas viagens pelo mundo.
Para que um particular possa formar um Museu quantas cousas são necessárias que se combinem !
(PORTUENSE, 1838)
João Allen, não seria um simples grand tourist em busca de lazer e vivências, recordemos que estudou para além das fronteiras europeias, num continente tecnologicamente e culturalmente mais evoluído, ampliando desta forma os seus horizontes culturais, ele não contemplaria as peças que iria adquirindo e juntando, somente por prazer, mas como pessoa culta e interessada, verificava os fragmentos históricos de cada peça, atribuindo o valor devido, visando desta forma a educação e o conhecimento, daí a importância do museu, museu este, que para D. José Urcullo não existiria ouro igual.
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