D. José de Urcullu, primo e amigo de João Allen, é autor de artigos do jornal “O MUSEU PORTUENSE”, e do “Tratado Elementar De Geografia Astronómica, Fizica, Histórica ou Politica, Antiga e Moderna”[mfn]Consultável no Fundo Antigo – Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), através de imagem os TOMO I, II e III.[/mfn], escrita que inicia em 1830, composto por três volumes que os dedica ao “IL.mo S. r João Allen”, escrevendo no “TOMO III”, o seguinte:
Só depois de concluido o prolongado cerco d’esta cidade é que o Sr. Allen se resolveu a fazer uma casa destinada exclusivamente ao Museu. Teve a fortuna de que os projectís que lançárão os sitiadores não caissem onde estavam guardados os objectos raros e preciosos que em muitos annos tinha ajuntado. O edifício que serve de Museu, é situado no fundo do jardim da casa em que mora o Sr. Allen: consta de tres salões iguaes de 22 palmos e meio de altura, 47 de comprimento e 26 e meio de largura. A luz entra em todos eles por claraboias bem dispostas no tecto.
Todos os domingos, João Allen abria a porta do seu Museu a quem o desejasse visitar, servindo o proprietário, graciosamente, de cicerone.
E se tudo corria bem no aspeto da arte, enriquecendo o seu Museu com peças que ia adquirindo ou lhe ofertavam, a verdade é que, a traição de um dos seus sócios, em Inglaterra, e a falta de amizade dos que lha deviam, em Portugal, acabaram por o obrigar a liquidar as suas casas comerciais.
Os depoimentos de Urcullu, são importantes e reveladores para o contexto histórico, por serem pormenorizados, localizam no tempo o aparecimento do Museu Allen, que terá sido iniciado a sua construção após o fim do Cerco à cidade do Porto, abrindo ao público em 1837, tendo o próprio João Allen como cicerone, acompanhando pessoalmente os visitantes.
O terceiro volume do Tratado Elementar de Geografia é escrito em 1839, altura em que os negócios de João Allen já não estariam a correr bem, piorando em 1842 com as politicas restritivas da Companhia de Vinhos do Alto Douro, dentro deste quadro negativo, Allen, decide ainda assim concretizar uma nova viagem em fins de 1845, que lhe é interrompida por D. José de Urcullu a março de 1846, que lhe descreve a situação da firma em Londres, ficando de tal modo que João Allen, preocupado e doente, resolve depositar seu testamento (e de sua mulher) num notário local, embarca para Sevilha, chega ao Porto em maio (Vasconcelos et al., 2018, p. 46), onde constata o grave estado de seus negócios devido a más decisões de seu sócio Thomas Morgan, que contraíra grandes dividas, com diversas letras no valor de milhares de libras vencidas e não pagas, a situação piora com a traição do seu sobrinho e seu procurador, José Allen[mfn]João Allen, o fundador do Museu Municipal, era tio (e sócio) do infeliz José Allen, que perdeu a vida com duas inocentes filhas, no memorando naufrágio do vapor Porto, em 29 de março de 1852—precisamente no dia em que por occasião da segunda invasão franceza (em 1809), tantas mil pessoas pereceram nas mesmas aguas do Douro, quando em tropel fugiam pela Ponte de Barcas, para o Sul do paiz. (Leal, 1875, p. 256)[/mfn],
certo de que Gubian faria reverter sobre si e o reembolso, serve-se da sua qualidade de procurador particular de seu tio, convoca Carlos Luís Gubian para uma reunião em 8 de outubro de 1846, e para se descartar das responsabilidades, dá em penhor a Gubian toda a fortuna de João Allen: seus bens móveis e de raiz, direitos, ações, a terça de alma, as dívidas de que seja credor, todas as propriedades e suas pertenças e 330 pipas de vinho.
(Vasconcelos et al., 2018, p. 47)
Dada a situação, João Allen toma medidas drásticas terminando com a sociedade Allen, Morgan & C.. Mesmo no seu estado de saúde débil, Allen inicia em 1847 uma nova sociedade com o seu filho Alfredo Allen e um novo agente em Inglaterra, J. E. Williams, criando a firma E. A. Allen & C., falecendo pouco tempo depois a 19 de maio de 1848.
Deixa-se a referência de Urcullu, pessoa que terá conhecido bem João Allen, o que é relevante para o presente estudo, por suas palavras, nos dá a conhecer um pouco a personalidade de João Allen:
V.S.ª tem viajado pelo novo e antigo continente, não como a maior parte das gentes ricas, que viajam para satisfazer os olhos sem tirar das suas viagens a menor utilidade em benefício público. V. S.ª tem recorrido a parte mais culta da Europa, não só para ilustrar o entendimento, senão também para observar, comparar, e recolher objectos uteis ás siencias e artes desconhecidos ou pouco comuns neste reino; e se ele não tivesse sido tão violentamente agitado durante os últimos anos com as convulsoins politicas que por tanto tempo o despedaçaram, já teria tirado alguma vantagem das suas viagens. V. S.ª trepando ao crater do Vezuvio não se contentou com examinar o interior d’aquela fornalha que há tantos séculos está em combustão, pois sobe trazer uma rica coleção de lavas antigas e modernas lançadas por aquele espantoso volcão.
[…]
Na capital do antigo imperio romano, e hoje da Cristandade, V. S.ª fez trabalhar os melhores artistas d’aquela cidade em diferentes ramos para dar mais realce ao seu Muzeu, e hoje vemos n’ele painéis, camafeus, medalhoins e outros objectos curiosos…
(Urcullu, 1835, p. 23)
Museu Portuense (1838)
Jornal de História, Artes, Siencias Industriaes e Bellas Letras
Descrição de D.José Urcullu
Pela leitura, é percetível que Allen, tivera uma vida preenchida, deixando um legado reconhecido até os dias de hoje. Durante os seus 67 anos de vida sempre procurou fazer o que gostava, as viagens não seriam apenas por lazer, mas por prazer e lhe proporcionarem o que mais desejava, o convívio de artistas e seu meio, o conhecimento e a descoberta de novas coisas, coisas estas que podiam ser tão simples como as pedras de um vulcão, mas que todas juntas iriam formar o seu Museu, alimentando uma sociedade pobre em conhecimento e informação, perpetuando desta forma o seu nome e o reconhecimento de Portugal.
Seria efetivamente um homem intelectual, de um conhecimento vasto para a época, pena para a sociedade ter perdido este conhecimento, por não ter sido escrito em linhas próprias que transmitissem, a sua visão, o gosto pelo colecionismo, o gosto pela arte e a compreensão do seu valor, ponto um pouco mais aprofundado no Grand Tour.